

Capitulo 3
A força de um Juiz
Ponto de vista do Akachi.
Já tinham passados alguns dias, talvez semanas, que eu tinha vindo ao mundo mortal com a Nanah. Eu não vim ao mundo mortal passear, eu vim para observar de perto minha colega de trabalho e tentar descobrir as respostas para as perguntas que ela nunca respondia. Porém, parecia que ela tinha vindo para o mundo mortal passear.
No começo eu achei que ela iria trabalhar de forma dedica nos casos do site, oferecendo vingança as pessoas desesperadas, mas ela pessoalmente, não se envolvia em muitos casos, os únicos que efetivamente trabalhavam nesses casos de vingança eram os três estagiários de demônios dela.
Ela passava mais tempo lendo em cafés ou jardins, passeando ou fazendo compras; trabalhar era o que ela menos fazia. Isso me incomodava, já que essa postura dela frustrava minhas intenções.
Eu queria respostas, mas como eu iria ter essas respostas com ela passeando?
Eu já começava a pensar se devia desistir do meu plano, afinal eu estava me forçando a conviver com quatro demônios, se conviver só com a Nanah já era difícil por causa da personalidade e temperamento dela, conviver com os três estagiários dela era quase insalubre, e tudo isso para que? Para ver ela passear e os outros três trabalharem?
Viver eternamente não justifica eu passar, por livre e espontânea vontade, a um período de caos total nesse apartamento. Também, pensando bem, o que tinha passado na minha cabeça quando cheguei a conclusão que seria uma boa ideia vir morar com quatro demônios?
Não tinha um único dia de paz, eles sempre estavam discutindo sobre alguma coisa, nunca imaginei que diria algo assim, mas a Nanah com todo seu gênio ruim, era a mais equilibrada dos quatro, talvez a idade e a origem a tornaram mais calma, afinal ela nasceu para ser um anjo.
Pensando bem, isso talvez fosse uma questão que eu deveria pensar. Todo anjo corrompido perdia as asas, porém a Nanah nunca tinha perdido as asas de anjo dela, ela escondia as vezes, mas ainda as tinha.
Eu nunca entendi como isso poderia ser possível, no começo eu achava que isso poderia ser um erro, mas o Ser Superior do Céu nunca cometeria um erro, então tinha que ter uma explicação para ela, a juíza demônio, manter as asas de anjo.
Agora convivendo com ela e os outros, eu começo a pensar que lá no fundo ela ainda tem uma parte de anjo, nem que seja pela paciência, afinal é necessária uma paciência divina para conviver de forma plena com aqueles três.
Falando nisso, esse apartamento estava muito silencioso hoje, eu não tinha escutado nenhuma gritaria, nada quebrando ou algum tumulto, o que será que estava acontecendo?
Eu resolvo sair do meu quarto e vou explorar o apartamento, esse que para um apartamento era, na minha opinião, desnecessariamente grande. Eu vou passando pelos cômodos e encontro com Nanah.
- Oi. – Cumprimento ela de forma educada.
- Bonjour Akachi. – Ela sorri simpática.
Eu convivo com a Nanah há séculos, talvez milênios, mas ainda não sinto ter intimidade com ela, não o suficiente para não ficar desconfortável quando ela sorri para mim de forma tão natural. Talvez por eu achar que ela sempre escondia algo atrás de cada sorriso ou gentileza.
- O que foi? – Ela me encara sem entender o motivo de encara-la.
- Vai sair passear? – Disfarço.
- Vou, quer vir junto?
- Não, eu sinceramente não vejo graça nos seus passeios.
- Por que? – Ela me olha confusa.
- Se você quer ler um livro, leia em casa, por que você precisa ir em algum lugar para ler? Eu até entendo você justificar que nessa casa é impossível ter um minuto de paz para ler, mas se queria paz para ler era só não voltar ao mundo mortal.
- Eu procuro paz para ler mesmo, mas não só isso, eu quero estar em um ambiente confortável também, ler ao ar livre é muito melhor, você deveria tentar.
- Não, obrigado.
- Você que sabe. – Ela dá de ombros.
- Onde estão seus estagiários? Esse local parece estranhamente silencioso.
- Como é que eu vou saber? Eles são pequenos, mas não cabem no meu bolso ou bolsa.
- Engraçadinha. – Riu de forma forçada. – Eles são seus estagiários, você deveria saber onde eles estão.
- Eles são meus funcionários, não escravos. Eles possuem a vida deles e eu não me envolvo na vida particular de nenhum, não é da minha conta.
- Vocês têm uma relação muito estranha, você sabia disso?
- Não.
- Então não liga se eles sumirem?
- Eles não vão sumir, eles assinaram um contrato comigo, esqueceu? – Ela me encara de forma óbvia.
- Você e seus contratos... – Reviro os olhos. – Falando em contratos, você não vai trabalhar não? Você mantém aquele site ridículo ativo, mas não se envolve em muitos casos.
- Por isso eu tenho meus demônios, eles trabalham enquanto eu vou passear, quando eu fico com tédio eu pego um caso interessante. – Ela respondia as coisas com uma naturalidade que me deixava indignado.
- Simples assim? – Questiono. – A dor e o sofrimento das pessoas para você é só uma forma de sair do tédio?
- É.
- Aff. – Resmungo. – Isso é errado em tantos níveis que eu nem sei por onde começar.
- Então não comece, eu não estou afim de ouvir seu sermão, porque no final nada vai mudar, então me poupe, si poupe e nos poupe de tamanha chatice.
- Fala sério.
- Você devia relaxar Akachi, parece estar sempre estressado, isso não vai te fazer bem, já falei, você é mais jovem que eu e já posso ver rugas de expressão em você. – Ela me encara de perto. – Devia passar um creminho.
- Saí fora! – Me afasto dela.
- Só estou sendo sincera. – Ela sorri tranquila.
- Sincera? Demônios podem ser sinceros? Acho que não posso confiar em nenhum de vocês. – Falo sincero e indignado.
- Hum... – Nanah me encara com um sorriso travesso. – Pode-se sempre confiar em um desonesto, porque você sabe exatamente o que esperar deles. Sinceramente, é nos honestos que você deveria se preocupar, porque nunca se sabe quando vão fazer alguma coisa estupida em prol da honestidade.
- O que? – Fico confuso. – O que você quer dizer?
- Tanto faz, já que você não quer me acompanhar eu vou sozinha. Tchauzinho. – Ela se despede e sai do apartamento.
Toda vez era a mesma coisa, eu conversava com ela, mas no fundo eu não conseguia compreende-la, era como se sempre ficasse mais dúvidas.
Agora que eu estava sozinho no apartamento eu resolvo ir até a sala de televisão, eu me jogo no sofá, pego o controle e ligo a televisão.
- Vamos ver as notícias do mundo. – Eu começo a ver as notícias de alguns telejornais. – Mas o que...
Eu passei por uns cinco canais diferentes, em todos as notícias eram sobre tragédias, caos e violência. Não me admira que o site da Nanah é tão requisitado, o sofrimento e o desespero das pessoas são reflexos do caos e desesperança que o mundo mortal estava vivendo.
- Aff, desisto. – Desligo a televisão e deixo o controle de lado.
Fico um tempo olhando para o ambiente, até que vejo um notebook na poltrona do lado. Eu pego o notebook e abro, vejo que tinha senha, eu analiso o notebook e vejo que se tratava do notebook do Lixo.
Eu fico um tempo analisando, pensando qual seria a senha que o Lixo tinha colocado no notebook dele, até que depois de um tempo eu digito algo e aperto enter. Para minha surpresa e até indignação a senha funciona.
- Como pode a senha ser essa? Como que cabe tanto ego em uma criatura tão pequena? – A senha que eu tinha digitado era: eusouummaximo.
Eu começo a mexer no notebook dele e não vejo nada que me chame atenção, ele tinha um gosto normal para séries e filmes, tudo com um pouco de violência, mas nada anormal. Vi que o Lixo fora do trabalho de vingança do site, tinha outro emprego, se é que isso pode ser considerado emprego, está mais para golpe, ele tinha um esquema de estelionato bem organizado.
Como pode uma criatura dessa dormir tranquilo a noite? Eu nunca vou entender a mente deturpada desse demônio.
Deixando de lado isso, eu vejo a planilha do site deles, eu já tinha visto essa planilha antes, eles organizavam os casos do site. Eu vou arrastando para cima a planilha, que infelizmente, era mais longa do que eu gostaria que fosse, até que vejo uma parte que me chama atenção.
Tinha uma aba da planilha chamada Demônios, eu clico para ver melhor e entendo que alguns casos de vingança tinham como alvo outros demônios.
Pensando bem não me admira que alguns mortais acabam tendo sua vida perturbada pelos demônios que viviam no mundo mortal, assim como algumas pessoas tinham suas vidas abençoadas pelos anjos, os demônios agiam da forma deles.
Como será que a Nanah lidava com esses casos? Ela poderia apenas mandar um demônio para o inferno?
Eu fico refletindo um pouco e me lembro de alguns casos do tribunal. Quando uma alma não desequilibrava a balança, nós íamos julgá-la. Já teve vezes que eu vi almas que tinham sido muito atormentadas em vida, nunca me interessei em saber o que causou tanto tormento, sempre atribui isso ao caos que o mundo mortal vive, porém, pensando agora, talvez essas almas eram apenas vítimas de outros demônios.
Nesses casos a Nanah quase sempre permanecia em silêncio, eram casos que eu sempre ganhava, será que ela não se envolvia porque sabia de algo que eu não sabia? Como, por exemplo, que aquela alma só tinha sofrido tudo que sofreu por culpa de um demônio?
Olhando com mais atenção eu vejo que hoje a Andry tinha ido trabalhar em um caso desses, eu queria saber como eles agiam nesses casos, então eu fecho o notebook do Lixo e resolvo ir atrás da Andry.
/
Depois de abrir uma porta aleatória eu saio em uma rua sem saída nos Estados Unidos, na cidade de Detroit, aquela dragãozinha não deveria estar longe, eu saio andando pelas ruas procurando, até que vejo em um beco a figura da Andry, que usava um corpo humano de uma garota jovem, junto com mais dois homens.
Eles pareciam humanos, mas eu conseguia ver que não se tratavam de humanos, eram demônios.
- Eu estou avisando. – Andry sempre tinha uma postura bastante arrogante e esnobe.
- Quem você pensa que é para falar assim com a gente? Só porque é protegida dela, acha que pode nos dar ordem? – Um demônio fala, claramente irritado.
- Eu só estou passando o recado. – Andry mesmo sendo menor não se intimidava.
- O que está acontecendo aqui? – Resolve me envolver.
- Hu? – Andry me encara confusa. – O que está fazendo aqui?
- Isso não é assunto seu anjo. – O demônio fala ainda irritado.
- Calma... – O outro demônio, que parecia ser mais velho, me encara desconfiado. – Quem é você?
- Enfim, vocês foram avisados! – Andry me ignora, como sempre.
- Escuta aqui sua... – O demônio mais jovem vai em direção da Andry e eu entro na frente.
- Isso não é problema seu anjo, já falei.
- Está enganado, ela pode ser considerada um problema meu. – Falo me referindo a Andry.
- O que? – O demônio fica confuso.
- Vamos sair daqui. – O demônio mais velho puxa discretamente o mais jovem.
- O que? Por que? – O mais jovem olha sem entender a postura do mais velho.
- Esse anjo não é normal, eu acho que ela é um arcanjo.
- Por que um arcanjo estaria defendendo um demônio? Ainda mais um demônio que trabalha para ela? – O demônio me encara curioso. – Quem é você?
- Não importa quem ele é, vamos sair daqui. – O mais velho insiste.
- Eu não sou um arcanjo. – Assumo uma postura séria e firme. – Eu sou um juiz, ela trabalha para a minha colega, por isso ela pode ser problema meu.
- Juiz? – Os dois demônios arregalam os olhos.
- Vamos logo sair daqui. – O mais velho insiste e os dois rapidamente desaparecem.
Agora sozinhos naquele beco eu encaro a Andry, ela me encara e então abandona o corpo que estava usando, a jovem parece acordar de um transe um pouco atordoada, ela me encara sem entender.
- O que... o que estou fazendo aqui? – A jovem pergunta confusa.
- Você... – Eu penso em como justificar aquela situação. – Você passou mal, está melhor agora?
- Sim, estou, eu não lembro de ter passado mal, eu estava esperando o ônibus e...
- Que bom que está bem agora. – Sorrio de forma carinhosa. – Tome bastante água e se alimente bem, assim isso não vai acontecer novamente.
- C-certo, obrigada.
A jovem ainda um pouco confusa, agradece e sai do beco. Eu encaro a figura de Andry que voava na minha altura.
- Precisava ter saído do corpo agora? Ela podia achar que eu tinha feito algo ruim para ela. – Argumento.
- Eu achei que você saiu bem. – Andry fala de forma debochada. – Seria hilário ela pensar que logo um anjo fez algo ruim com ela.
- Credo, que mente perturbada. – Balanço a cabeça em negação.
- Tanto faz, o que está fazendo aqui? A Nanah te mandou? – Ela me olha desconfiada.
- Ela me mandaria?
- Pouco provável.
- Por que? Você veio lidar com outros demônios, mais fortes que você, ela deveria no mínimo te acompanhar.
- Ela não acompanha a gente em casos de demônios.
- Por que? – Pergunto confuso.
- Porque na hora que ela aparece no quarteirão a maioria dos demônios desaparecem, aí a gente nunca consegue conversar com eles. Frustrante. – Andry suspira.
- Desaparecem? Como assim?
- Eles sentem a presença dela a distância e sempre fogem, por isso em casos de demônios nós trabalhamos sozinhos, afinal a Nanah sempre tenta primeiro o dialogo nesses casos.
- Adianta dialogar com demônio? – Pergunto com desdém.
- Funciona mais do que você pode imaginar, eles preferem mudar de alvo e ir atormentar outra pessoa do que insistir em incomodar os nossos clientes. Afinal, mesmo sendo demônios eles não querem serem levados para o inferno pela Nanah.
- Então ela manda demônios para o inferno também?
- Claro. Mortal ou demônio, a Nanah pode enviar qualquer um para o inferno, você trabalha com ela e não sabia disso? – Andry me encara confusa.
- Eu... eu sabia, só que... – Eu não sabia, mas não queria deixar isso óbvio.
- Hum, pensando bem, eles demoraram para ter medo de você, achei que todo demônio tinha medo de juiz, mas acho que eles só têm medo da juíza demônio. – Andry fala esnobe. – Não me admira, quem é que vai ter medo de um anjo? Você vai fazer o que? Nos condenar a paz eterna? – Ela ri de forma sínica. – Enfim, eu tenho mais trabalho a fazer, não me atrapalhe.
- Não é bem assim, eu posso... – Antes que eu pudesse explicar ela desaparece me deixando falando sozinho. – Ela já foi.
Agora que eu estava sozinho, fico pensando nas coisas que a Andry tinha dito, a Nanah era a juíza demônio, seria normal os demônios a espeitarem e temerem, os demônios ali também me respeitaram, mas eu tinha que ser honesto e admitir que não teve o mesmo efeito que a Andry descreveu que acontece quando é com a Nanah.
Eu sabia que existia uma hierarquia de força, arcanjos eram mais fortes que anjos, a função de juiz sempre foi uma hierarquia a parte, ambos acima de um anjo ou demônio normal. Será que os lordes demônios eram temidos assim como a Nanah era?
Eu antes como anjo e agora como juiz, nunca mandei nenhum demônio para o inferno, mas eu sabia que isso era possível por um arcanjo, eu como juiz poderia fazer o mesmo? Os meus poderes eram iguais aos da Nanah ou será que, por ser diferente da Nanah que foi criada para ser juiz, eu era mais fraco?
Eu queria aquelas respostas, mas eu duvido que a Nanah fosse me responder, mesmo que ela respondesse talvez eu não fosse capaz de acreditar nas palavras dela, então eu só poderia buscar essas respostas com a única pessoa que eu confiava totalmente.
Eu só precisava achar uma porta.
/
O salão dos arcanjos.
Sempre que eu vinha aqui eu tinha o mesmo sentimento, era algo difícil de descrever, mas eu sentia o peso da magnitude e força que esse salão tinha. Suas paredes altas, em meio as colunas várias pinturas contando a trajetória dos arcanjos e uma pequena, exemplificação de seus poderes.
- Juiz Akachi! – Zafqiel, o arcanjo do conforto vem me receber com uma postura elegante e gentil. – Que prazer encontra-lo.
- Arcanjo Zafqiel. – Eu faço uma breve reverencia ao arcanjo, para demonstrar meu respeito.
- Não faça isso. Você é o juiz aqui. – Ele sorri e faz também uma breve reverencia e me deixa sem jeito. – Alguns podem não ter a mesma opinião que a minha, mas para mim os juízes estão acima dos arcanjos.
- Você acha isso? – Pergunto surpreso.
- Sim.
- Posso perguntar por que?
- Vocês são a lei e a ordem dos dois lados, tem o poder e a responsabilidade de manter tudo justo e equilibrado. Sempre deve-se respeitar a justiça. – Ele explica de forma calma.
- Hum....
- O que o trás aqui?
- Eu vim procurar pelo Arcanjo Miguel.
- Sinto informa-lhe, mas o Miguel não está no momento, era algo que só poderia ser tratado com ele? – O Arcanjo Zafqiel era muito gentil.
- Acho que não, é que... – Eu estava confuso e o que o Arcanjo tinha acabado de me dizer, tinha me deixado mais confuso ainda.
- O que te aflige?
- Senhor, posso perguntar... o senhor já enviou algum demônio ou anjo para o inferno? – Pergunto receoso.
- Nossa. – Zafqiel sorri sem graça e passa uma mão pela nuca. – Por que quer saber sobre isso?
- Eu soube que a minha colega, Nanah, ela as vezes, manda demônios para o inferno, eu nunca mandei, fico pensando se isso está fora dos meus poderes, afinal ela sempre foi uma juíza, aí eu lembrei que arcanjos possuem esse poder também, então...
- Você é um juiz Akachi, mesmo que diferente da juíza Nanah, que foi criada para tal função, vocês não diferem em funções, talvez o motivo de nunca ter mandando um demônio para o inferno, seja pelo mesmo motivo que nos arcanjos não fazemos isso com tanta frequência.
- Qual motivo seria esse?
- Nós deixamos os demônios cuidarem dos demônios, assim como nós cuidamos dos anjos, como arcanjos temos a obrigação de guiar nossos anjos no caminho certo para que eles possam executar suas tarefas e missões da melhor forma possível. – Ele explicava, mas eu ainda ficava totalmente satisfeito com a explicação. – Porém, acredito que devido a natureza deles, os demônios acabam dando mais trabalho aos seus lordes e a sua juíza.
- Senhor, você vai com frequência ao mundo mortal?
- Não, por que?
- Eu fiquei sabendo que dos demônios conseguem sentir a presença da Nanah a distância, eles fogem dela mesmo antes dela chegar perto deles, mas isso não aconteceu comigo, eles respeitam e até fogem, mas não parece que acontece com o mesmo impacto, entende?
- Compreendo, você quer saber se demônios temem a presença de um arcanjo assim como temem a presença da juíza Nanah? – Eu respondo que sim com a cabeça e ele fica pensativo por uns instantes. – Eu sei que eles percebem a nossa presença, mas em questão de impacto eu realmente não sei te responder, talvez Gabriel fosse mais indicado para responder essa questão, já que ele é o arcanjo mensageiro e o que mais perambula entre os mundos.
- Entendo.
- Olha quem retornou. – Zafqiel sorri ao olhar por mim. – Miguel, você tem visita.
Eu me viro e vejo a figura imponente do Arcanjo Miguel, que entrava a passos confiantes do salão dos arcanjos.
- Akachi, quanto tempo. – Miguel se aproxima de nós e me cumprimenta de forma educada.
- Vou deixar-lhes a sós, venho nos visitar mais vezes juiz Akachi, sempre será uma honra recebe-lo. – Zafqiel se despede e se afasta, nos deixando a sós no grande salão.
- Oi mestre. – Cumprimento o arcanjo com uma breve reverencia.
- Como você tem estado Akachi? Faz tempo que não nos vemos.
- Eu estou bem, eu gostaria de visita-lo com mais frequência, mas sei que é ocupado e eu também estou sempre envolvido com o tribunal.
- Imagino, mas eu sei que está se saindo bem no tribunal. – Miguel fala com um sorriso satisfeito.
- Sabe? – Questiono surpreso.
- Claro, o tribunal segue funcionando perfeitamente, mesmo com a troca de alguns juízes balança, já faz um tempo que o balança não é trocado, isso significa que você está conseguindo controlar tudo muito bem.
- Controlando... – Aquela expressão me incomoda um pouco.
- Sim, imagino que levou um tempo para conseguir controlar a juíza demônio, por isso alguns balanças caíram, mas agora parece que tudo segue de forma adequada.
- O Imamu realmente está se esforçando e se dedicando muito na sua função, mas não acho que eu tenha muito mérito por isso, muito menos posso dizer que eu consigo “controlar” a Nanah, sinceramente, acho que seria impossível tal feito. – Admito.
- Acredito que esteja certo, é uma tarefa bastante difícil e até detestavel controlar um demônio, a nós cabe que eles nos respeitem, nos temam.
- Respeitem... temam... – Repito pensativo.
- O que está acontecendo Akachi? – Miguel me encara de forma desconfiada.
- Miguel, os demônios tem a sua presença?
- Claro. – Ele responde com um orgulho descente, porém evidente. – Os demônios sabem o poder dos arcanjos.
- O quanto eles o temem?
- Como assim?
- Eu descobri que os demônios conseguem sentir a presença da Nanah a distância, eles fogem dela, isso acontece com você? Quero dizer, você chega na rua e se tiver algum demônio naquele quarteirão eles já fogem?
- Não sei dizer em relação a essa distância que você mencionou sobre ruas ou quarteirões, mas eu posso afirmar que assim que eles me veem, eles temem, afinal eles sentem o poder que nós emanamos.
- Hoje, eu encontrei no mundo mortal com dois demônios, eles sentiram algo diferente em mim, mas não foi bem assim...
- As criaturas sobrenaturais que habitam no mundo mortal, quase todos, possuem uma certa arrogância, eles são superiores e mais fortes que os mortais, então tendem em sua arrogância temer apenas aquilo que eles conhecem. Por que demônios temem os arcanjos? Porque ao longo dos séculos eles viram, souberem, do poder dos arcanjos, já que em alguns momentos nós tivemos que ir ao mundo mortal para resolver alguns problemas.
- Onde quer chegar mestre?
- Quantas vezes você, o juiz anjo, se fez presente no mundo mortal?
- Nenhuma, eu raramente vou ao mundo mortal, eu só estou lá agora por causa da Nanah.
- Então, eles sentem, mas não entendem, porque não te conhecem, mas eu tenho certeza que quando você se apresenta a reação é a mesma. Todo anjo ou demônio respeita e teme um juiz.
- Mas a Nanah... parece ser diferente.
- Eu sei que a juíza Nanah é um tanto quanto “popular” entre os mundos, é a juíza que trocou de lado, os lordes demônios não a aceitam bem, porém ela conquistou, muito provavelmente fazendo uso da força, o respeito deles assim que assumiu o lugar de juíza demônio. Os demônios respeitam seus lordes e sabendo que seus lordes respeitam a força da juíza Nanah, os demônios a temem de uma forma diferente, consegue compreender?
- Tem sentido. Mestre, você já mandou um anjo ou um demônio para o inferno?
- Já. – Miguel responde sério. – Por que a pergunta?
- Por que fez isso?
- Pela ordem. – Ele responde firme. - Quando um anjo ou até um demônio extrapola seus limites, eles precisam ser controlados, nós arcanjos não podemos fechar os olhos perante algumas situações, então sim, já teve momentos que foi necessário fazer tal coisa, porém...
- O que? – Eu vejo que ele ficou relutante em continuar, então insisto.
- O caminho para o inferno de qualquer alma, passa pela mão do juiz do inferno. – Ele admite um pouco desconfortável.
- Está querendo dizer que mesmo o senhor, quando se viu obrigado a mandar um demônio ou anjo para o inferno teve que pedir para a Nanah?
- Não é exatamente pedir, não é uma situação que eu precise me envolver pessoalmente com ela, o que eu faço é retirar, na base da força, aquela criatura do mundo mortal e envio aos cuidados dos responsáveis do inferno, quem decide o destino final é o juiz.
- Então, mesmo que eu queria mandar alguma criatura para o inferno, essa criatura teria que, inevitavelmente passar pela Nanah, isso faz dela... a última palavra do inferno.
- Última palavra? Jamais, a última palavra de cada reino só cabe aos seres superiores de cada lado. Mas, de certa forma sim, assim como você Akachi, ninguém pode entrar no reino do céu sem a sua aprovação.
- Não? – Eu arregalo os olhos surpreso.
- Claro que não, porém diferente do que você está sugerindo, o reino do céu é uma dádiva, dada a poucos, eu, mesmo sendo o arcanjo, não posso a torto e direito trazer uma alma para o céu sem passar por você. Acontece que esse benefício é tão raro que quase acontece.
- Eu não tinha pensando dessa forma, eu achei que a Nanah era mais poderosa que eu, por isso...
- O poder da punição e da destruição sempre causa mais medo e receio, porém ele nunca supera o poder da redenção e da criação. Nunca esqueça disso. – Ele fala de forma confiante e imponente. – Tenha certeza Akachi, que no momento que for necessário você usar seus poderes, não haverá diferença entre os juízes.
- Obrigado mestre, eu vou me lembrar disso. – Sorrio aliviado.
- Imagina.
Eu fico conversando mais um pouco com o Arcanjo Miguel até que me despeço e retorno para o apartamento da Nanah, assim que eu chego já escuto uma discussão entre o King e o Lixo, eu sai da paz e tranquilidade do salão dos arcanjos e vim parar no caos que era esse apartamento.
Ignorando aquele pequeno tumulto eu vou até o meu quarto, fecho a porta deixando o barulho para fora e me jogo na cama.
Eu confiava no meu mestre, eu era o juiz anjo, eu não era mais fraco, era apenas mais discreto. Porém talvez, eu devesse começar a não ser tão discreto assim, o mundo mortal iria me conhecer, e eu sabia exatamente como eu iria fazer isso.
Eles iriam temer e respeitar a justiça do juiz anjo Akachi!